quarta-feira, 31 de março de 2010

Vesak Solitário




Na lua plena

a poça rasa

se infinita.

Enquanto os cílios são raios de prata

eu continuo secretando chamas inquietas

e a fuligem

que me escapa

gruda na página

formando letras.

segunda-feira, 29 de março de 2010

1

I.
despetalado, chega o Anjo ao fim da estrada.

galhos secos no lugar de asas
-anjo sem casa-
olhar vazio de poço raso
vestes rotas
cabelos transtornados.

vinha cavalgando um furacão,
mas arrefeceu no meio da via.

andou, andou, na via escura,
sempre pisando espinhos
e sarças ardentes.

foi crucificado nove vezes,
nove Cristos negou Ele,
nove vezes navegou
na barca cinza de Caronte.

despetalado,
chega o Anjo ao fim da estrada,

e em vez de armas,
nove cruzes depõe aos pés dos Guardiões do Letes.

Prece Precisa

É preciso deixar passar
É preciso libertar a espontaneidade

a graça da virtude pessoal

É preciso que cada um possa dançar
ao ritmo do seu tambor pessoal
É preciso que primaveras não forcem invernos
a florescerem
É preciso que verões não insistam
para que outonos sejam abrasivos

É preciso menos força
É preciso aprender com os rios que ainda restam
É preciso mais contornar
É preciso menos controlar

É preciso deixar que o agressor sinta
o seu próprio soco em forma de queda que choca e desperta

É preciso despoliciar-se

É preciso um amor não-terrorista
É preciso não vigiar a quem se preza
É preciso baixar a guarda

É preciso dar férias aos guardas

É preciso espantar-se
com milhares de fornalhas ardentes
milhares de vezes maiores que o nosso orbe
cada vez menos azulado

todas elas bailando conosco pelo infinito

É preciso dar-se conta de que uma das fornalhas
se faz sentir em nossas peles
tão próxima está

É preciso trocar um olhar demorado com o gato.

É preciso encarar a morte de frente
É preciso sentir a Náusea
ante a certeza esmagadora do Vazio

É preciso meditar sobre Sísifo e seu mito

É preciso minorar os apriori

É preciso demolir tudo
e partir da assumção de que a vida
é um sopro

e o ser
é o
nada

quinta-feira, 25 de março de 2010

Vidressentia

Tomando uma cerveja
-a terceira-,
flagrou-se ainda com sede
e, súbito,
sentiu-se embriagado por uma lucidez
absurda.

A mesa pegajosa
com logomarcas de bebidas,
a fauna decadente do boteco,
o ar saturado de tabaco fodido.

Alguém,
que já passou da terceira,
deixa cair um copo.

Murmurou
(embora sentisse que gritasse):

"não é preciso quebrar copos,
tudo já está estilhaçado!"

Allen Ginsberg: Trecho do Uivo

uivo
para Carl Solomon
Tradução: Claudio Wille
r


Eu vi os expoentes de minha geração destruídos pela loucura,

morrendo de fome, histéricos, nus,

arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada em busca

de uma dose violenta de qualquer coisa,

"hipsters" com cabeça de anjo ansiando pelo antigo contato

celestial com o dínamo estrelado da maquinaria da noite,

que pobres, esfarrapados e olheiras fundas, viajaram fumando

sentados na sobrenatural escuridão dos miseráveis aparta-
mentos sem água quente, flutuando sobre os tetos das
cidades contemplando jazz,

que desnudaram seus cérebros ao céu sob o Elevado e viram

anjos maometanos cambaleando iluminados nos telhados
das casas de cômodos,

que passaram por universidades com os olhos frios e radiantes

alucinando Arkansas e tragédias à luz de William Blake
entre os estudiosos da guerra,

que foram expulsos das universidades por serem loucos e publi-

carem odes obscenas nas janelas do crânio,

que se refugiaram em quartos de paredes de pintura descasca-

da em roupa de baixo queimando seu dinheiro em cestas
de papel, escutando o Terror através da parede,

que foram detidos em suas barbas públicas voltando por Laredo

com um cinturão de marijuana para Nova York,

que comeram fogo em hotéis mal-pintados ou beberam tereben-

tina em Paradise Alley, morreram ou flagelaram seus tor-
sos noite após noite

com sonhos, com drogas, com pesadelos na vigília, álcool e cara-

lhos e intermináveis orgias,

incomparáveis ruas cegas sem saída de nuvem trêmula e clarão

na mente pulando nos postes dos pólos de Canadá & Pa-
terson, iluminando completamente o mundo imóvel do
Tempo intermediário,

solidez de Peiote dos corredores, aurora de fundo de quintal
com verdes árvores de cemitério, porre de vinho nos te-
lhados, fachadas de lojas de subúrbio na luz cintilante de
neon do tráfego na corrida de cabeça feita do prazer, vi-
brações de sol e lua e árvore no ronco de crepúsculo de
inverno de Brooklin, declamações entre latas de lixo e a
suave soberana luz da mente,
que se acorrentaram aos vagões do metrô para o infindável

percurso do Battery ao sagrado Bronx de benzedrina até
que o barulho das rodas e crianças os trouxesse de volta,
trêmulos, a boca arrebentada e o despovoado deserto do
cérebro esvaziado de qualquer brilho na lúgubre luz do Zôo-
lógico,

que afundaram a noite toda na luz submarina de Bickford's,

voltaram à tona e passaram a tarde de cerveja choca no
desolado Fugazzi's escutando o matraquear da catástrofe
na vitrola automática de hidrogênio,

que falaram setenta e duas horas sem parar do parque ao apê ao

bar ao hospital Bellevue ao Museu à Ponte de Brooklin,

batalhão perdido de debatedores platônicos saltando dos gra-

dis das escadas de emergência dos parapeitos das janelas
do Empire State da lua,

tagarelando, berrando, vomitando, sussurando fatos e lembran-

ças e anedotas e viagens visuais e choques nos hospitais e prisões e guerras,

intelectos inteiros regurgitados em recordação total com os

olhos brilhando por sete dias e noites, carne para a sinago-
ga jogada na rua,

que desapareceram no Zen de Nova Jersey de lugar algum dei-

xando um rastro de cartões postais ambíguos do Centro
Cívico de Atlantic City,

sofrendo amores orientais , pulverizações tangerianas nos ossos

enxaquecas da China por causa da falta da droga no
quarto pobremente mobiliado de Newark,

que deram voltas e voltas à meia-noite no pátio da estação fér-

roviária perguntando-se onde ir e foram, sem deixar cora-
ções partidos,

que acenderam cigarros em vagões de carga, vagões de carga,

vagões de carga que rumavam ruidosamente pela neve
até solitárias fazendas dentro da noite do avô,

que estudaram Plotino, Poe, São João da Cruz, telepatia e

bop-cabala pois o Cosmos instintivamente vibrava a seus
pés em Kansas,

que passaram solitários paelas ruas de Idaho procurando anjos

índios e visionários,

que só acharam que estavam loucos quando Baltimore apareceu

em êxtase sobrenatural,

que pularam em limusines com o chinês de Oklahoma no impul-

so da chuva de inverno na luz da rua da cidade pequena
à meia-noite,

que vaguearam famintos e sós por Houston procurando jazz

ou sexo ou rango e seguiram o espanhol brilhante para
conversar sobre América e Eternidade, inútil tarefa, e
assim embarcaram num navio para a África,

que desapareceram nos vulcões do México nada deixando

além da sombra das suas calças rancheiras e a lava e a
cinza da poesia espalhadas na lareira de chicago,

que reapareceram na Costa Oeste investigando o FBI de barba e

bermudas com grandes olhos pacifistas e sensuais nas suas
peles morenas, distribuindo folhetos ininteligíveis,

que apagaram cigarros acesos nos seus braços protestando contra

o nevoeiro narcótico de tabaco do capitalismo,

que distribuíram panfletos supercomunistas em Union Suare,

chorando e despindo-se enquanto as sirenes de Los Alamos
os afugentavam gemendo mais alto que eles e gemiam
pela Wall Street e também gemia a balsa da Staten Is-
land,

que caíram em prantos em brancos ginásios desportivos, nus e

trêmulos diante da maquinaria de outros esqueletos,

que morderam policiais no pescoço e berraram de prazer nos

carros de presos por não terem cometido outro crime a não
ser sua transação pederástica e tóxica,

que uivaram de joelhos no Metrô e foram arrancados do telha-

do sacudindo genitais e manuscritos,

que se deixaram foder no rabo por motociclistas santificados e

urraram de prazer,

que enrabaram e foram enrabados por estes serafins humanos, os

marinheiros, carícias de amor atlântico e caribeano,

que transaram pela manhã e ao cair da tarde em roseirais, na

grama de jardins públicos e cemitérios, espalhando livre-
mente seu sêmem para quem quisesse vir,

que soluçaram interminavelmente tentando gargalhar mas acaba-

ram choramingando atrás de um tabique de banho turco
onde o anjo loiro e nu veio atravessá-los com sua espada,

que perderam seus garotos amados para as tres megeras do destino,

a megera caolha do dólar heterossexual, a megera caolha que pisca de dentro do ventre e a megera caolha que só sabe ficar plantada sobre sua bunda retalhando os dourados fios do tear do artesão,

que copularam em êxtase insaciável com uma garrafa de cerveja,

uma namorada, um maço de cigarros, uma vela, e caíram da cama e continuaram pelo assoalho e pelo corredor e terminaram desmaiando contra a paerede com uma visão da buceta final e acabaram sufocando um derradeiro lampejo de consciência,

que adoçaram trepadas de um milhão de garotas trêmulas

ao anoitecer, acordaram de olhos vermelhos no dia seguin-
te mesmo assim prontos para adoçar trepadas na aurora, bundas luminosas nos celeiros e nus no lago,

que foram transar em Colorado numa miríade de carros roubados

à noite, N.C. herói secreto destes poemas , garanhão
e Adonis de Denver - prazer ao lembrar de suas incontáveis
trepadas com garotas em terrenos baldios e pátios dos
fundos de restaurantes de beira de estrada, raquíticas filei-
ras de poltronas de cinema, picos de montanha, cavernas
ou com esquálidas garçonetes no familiar levantar de saias
solitário á beira da estrada & especialmente secretos solip-
sismos de mictórios de postos de gasolina & becos da cidade
natal também,

que se apagaram em longos filmes sórdidos, foram transportados

em sonho, acordaram num Manhattan súbito e consegui-
ram voltar com uma impiedosa ressaca de adegas de
Tokay e o horror dos sonhos de ferro da Terceira Aveni-
da & cambalearam até as agências de emprego,

que caminharam a noite toda com os sapatos cheios de sangue

pelo cais coberto por montões de neve, esperando que
se abrisse uma porta no East River dando num quarto
cheio de vapor e ópio,

que criaram grandes dramas suicidas nos penhascos de aparta-

mentos de Hudson à luz de holofote anti-aéreo da lua &
suas cabeças receberão coroa de louro no esquecimento,(...)

Mural: Allen Ginsberg


Cadetes do Virginia Military Institute lendo Howl, início do 1990.

Mural: Allen Ginsberg


Ezra Pound, Allen Ginsberg, e Fernanda Pivano, Portofino, Italia, Setembro 23, 1967.

FONTE: www.allenginsberg.org

MURAL: Allen Ginsberg



Allen Ginsberg e Thelonious Monk. NY, 1961.

quarta-feira, 24 de março de 2010

margem

ecos de semanas
em vaginas páginas.

eis a História,
que é lembrimaginada
em rajadas de imagens(e margens),

capturada em ondas curtas,
fraturada em fragmentos de ontens
guardados em ostras
de memória.

terça-feira, 23 de março de 2010

Relance

o corte fractal da realidade
revela infrutescências de sumos sulfúricos.

sujas sentinas,
onde há beijos de fogo à espera,
sempre prontos a incendiar-te a face.

a nuvem pequena e só
é a dor materializada,
sol gasoso
levado pelo vento.

penso a poesia do degredo,
de morte aguda e reluzente
ou palavras-hímen
complacentes.

quero sempre violar a página,
duelar com o nada
esmerilhando ilhas-letras,

doces pílulas de morte
ou cascata de tubos metálicos sobre o asfalto,
estilhaçando a manhã.

Realce: Pedro Kilkerry

Pedro Kilkerry

(Salvador BA, 1885 - 1917)

Formou-se bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais na Faculdade de Direito da Bahia, em 1913. Na época, já atuava como colaborador das revistas Nova Cruzada, Os Anais, Via Láctea, A Voz do Povo e de vários jornais, entre os quais A Tarde, A Gazeta do Povo e Jornal Moderno, onde publicou a série de crônicas Quotidianas - Kodaks. Foi advogado e escriturário da Repartição de Contabilidade do Tribunal de Contas de Salvador. Poeta simbolista, Kilkerry não publicou livro em vida. Apenas em 1971 ocorreria a publicação póstuma de 36 de seus poemas, no livro ReVisão de Kilkerry, de Augusto de Campos. Para Campos, “Kilkerry não só compreendeu mais conscientemente que outros simbolistas o papel desempenhado na criação pelo subconsciente - mais tarde supervalorizado pelo Surrealismo - como soube levar mais longe a liberdade de associação imagética. Por outro lado, a capacidade de síntese, assim como a consciência das limitações da sintaxe ordinária, são mais agudas em Kilkerry do que em qualquer outro poeta do nosso Simbolismo”.

Poemas de Pedro Kilkerry

O Verme e a Estrela

Agora sabes que sou verme.
Agora, sei da tua luz.
Se não notei minha epiderme...
É, nunca estrela eu te supus
Mas, se cantar pudesse um verme,
Eu cantaria a tua luz!

E eras assim... Por que não deste
Um raio, brando, ao teu viver?
Não te lembrava. Azul-celeste
O céu, talvez, não pôde ser...
Mas, ora! enfim, por que não deste
Somente um raio ao teu viver?

Olho, examino-me a epiderme,
Olho e não vejo a tua luz!
Vamos que sou, talvez, um verme...
Estrela nunca eu te supus!
Olho, examino-me a epiderme...
Ceguei! ceguei da tua luz?

***

Horas Ígneas

I
Eu sorvo o haxixe do estio...
E evolve um cheiro, bestial,
Ao solo quente, como o cio
De um chacal.

Distensas, rebrilham sobre
Um verdor, flamâncias de asa...
Circula um vapor de cobre
Os montes — de cinza e brasa.

Sombras de voz hei no ouvido
— De amores ruivos, protervos —
E anda no céu, sacudido,
Um pó vibrante de nervos.

O mar faz medo... que espanca
A redondez sensual
Da praia, como uma anca
De animal.

II
O Sol, de bárbaro, estangue,
Olho, em volúpia de cisma,
Por uma cor só do prisma,
Veleiras, as naus — de sangue...

III
Tão longe levadas, pelas
Mãos de fluido ou braços de ar!
Cinge uma flora solar
— Grandes Rainhas — as velas.
Onda por onda ébria, erguida,
As ondas — povo do mar —
Tremem, nest'hora a sangrar,
Morrem — desejos da Vida!

IV
Nem ondas de sangue... e sangue
Nem de uma nau — Morre a cisma.
Doiram-me as faces do prisma
Mulheres — flores — num mangue...

Samba Infernal

Vinte mil ósculos de fogo
chicoteiam as paredes
e minha jaqueta até que não é má,
não fossem os impostos maléficos
escrutinando minha virilha
e os out-doors infernais
exaurindo o tutano dos meus olhos.

Pisai, Senhores Rochedos
alhures, serpeando maresias,
antes que seja tarde
e o Rei vindique seu trono dourado.

Ai, se o sorriso da miss Brasil
se desfizesse em vermes adiposos...
sua vida faria mais sentido!

Acalenta os vícios em fúria
pois eles são teu quinhão,
a parte que te cabe
do tesouro celeste

afaga o teu culhão,
pois ele parte e já não cabe em si
de ansiedade pelo Besouro Agreste

veste o mouro em verdade,
o canhão traga a peste que lhe cabe
e o sabre segue o sangue

na decadência espírita do samba de uma morta só.

segunda-feira, 22 de março de 2010

A ela

ela é minha puella
-procela, ou velozfera-
fêmea bela
que trucidou-me a guerra.

és assim, métrica,
-embora aos alheios
pareças o oposto-,

te quero assim, psicodélica,
religiosidade indefinível,
mas presente,

sarça ardente
crepitando teus olhos

corusquentes.

domingo, 21 de março de 2010

Arranca uma chuva de mim.

Crucifica-me num graveto
cem vezes seguidas,
até que já não haja vento
ou véu de templo.

Eu sou
um signo vazio
e descascado,

arbusto
dando adeus

ou semblante descaído
de um titã
fossilizado.

sexta-feira, 19 de março de 2010

as cigarras choraram como mulheres
ao pé da cruz

e a terra devorou o sol,
hóstia flamígera
ou
glóbulo de fogo
nas veias do universo
Os containers amontoados da minha memória
estão secos de carne.

Os fantasmas que os habitam fugirão,
e se insurgirão, amotinados, para botar-me louco
um dia.

Mas enquanto eu mantiver o fogo da sarça ardendo,
os fantasmas resvalarão

em penados poemas.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Paisagem vista do ônibus



O galope surdo dos barcos:
espargidas madeirilhas
no anti-íntimo do muro líquido.
Os olhos, mercadores sequiosos, lêem
num só movimento rápido,
o código de barcos.
O ônibus,
no afã de cumprir destinos curtos
de pessoas horárias,
não parou,
e impôs sobretudo
a borracha concreta
do comboio de casas.

Último poema de um poeta que descobri tarde...

"Tudo é Pequeno

Tudo é pequeno
A fama
A lama
O lince hipnotizando a iguana

O que é grande
É a arte
Há vida em marte"

Este poema é de um vulcão chamado Rodrigo de Souza Leão. Vulcão que infelizmente se extinguiu ano passado, e cujos rios de lava e saraivadas só agora foram descobertos por mim. Este poeta era esquizofrênico. Não, não era dotado de uma pseudo-esquizofrenia afetada. Não era um poeta ligadinho que se empolgou ao ler Ferlinguetti (se é que eles o lêem). Esse cara era, de fato, portador de esquizofrenia paranoica, e os seus escritos (alguns estão aqui) me deixaram em estado perpétuo de choque.

Procurem, e leiam!

quarta-feira, 17 de março de 2010

Palavras

em sarças ardentes
queimam as palavras,
crepitando estrelas.

em cruxifixos tortos
vales de lágrimas
ressurreições.

esgueiram-se
por detrás de véus rasgados,
virgens grávidas.

as palavras são como gafanhotos
embebidos em mel silvestre,
e a página é veste de couro,
deserto de quatro dias
gestando tentações,
abrindo mares.

as palavras são escamas
caídas pouco a pouco
dos meus olhos.

Torre em Transe



a torre da Embratel
frutifica antenas
e
em sua transa oculta de ondas
ergue-se,
carcaça rija de algum titã esquecido,
deixado para trás,
numa grande debandada
antediluviana.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Summer Feelings



tremores
evisceram-me a alma,
ainda que viva alheio.


tripas e pelos,
escamas,
restando-me somente a desnudez dos pés,
e a grama afiada em riste
a perscrutar os entrededos.


ao som de Elmore James,
sorvia goles de coisas carnívoras
entre uma baforada e outra,
enquanto o mundo ruía
sobre bases de éticas totalizantes.


gotejo,


e o sol tropical evapora-me
antes mesmo que dessedente o solo
fendido.


há um olho irritado
em todo canto que vou,
chorando lava.

quarta-feira, 10 de março de 2010

É noite na copa da árvore.
Sombras mortas passeiam lá e cá,
ondas jovens caem do nada.

Um olho vê do céu, vermelho,
e o chão é agressivo,
e a areia emocionada, sem pêlos,
enquanto o papel viaja
e clarinetes galhos
voram o momento.

terça-feira, 9 de março de 2010

Princípio de chuva.

Pingos grossos,

esparsos,

no

espaço.

Um golpe,

outro

e mais outro...

galope!

sábado, 6 de março de 2010

Frustração

às vezes eu vejo coisas estranhas no céu
e eu rezo e eu rezo e eu rezo
para que realmente seja um vímana
recheado de ET's bizarros e fortes e ultra-tecs

rezo para que pousem no meu quintal
e todos vejam, estupefeitos
que tudo que pensavam deveria ser repensado

mas não haveria tempo
para mutabilizar os paradigmas

pois os ET's chegaram e não tão nem aí para a nossa integridade físiomoral
pro nosso Deus nossa Igreja nossa Ética...

eles vão mesmo é tocar o terror e que todo mais vá pro inferno.



mas eu percebo que a porra do objeto
não passa de um avião,
ou
balão meteorológico bastante lógico e damesiado humano,

e eu fico ali, frustrado,
como um Moisés que berrou cheio de pompa e traçou uns desenhos estranhos no ar
com seu cajado,
mas o mar não se abriu
pois
Javé deu no pé
e o mar ficou ali paradão
como um sinal vermelho
sorrindo seu riso de ondas
dentes-espumas brancas
e o Faraó veio por trás
&
apresou todo mundo
no velho mundo de escravidão
&
as coisas voltaram a ser o que eram.

quinta-feira, 4 de março de 2010

Mallarminhos

Há espertalhões
em posições estratégicas
ao longo de uma longa esteira de produção.

São estéreis, todos (e histéricos),
castrados, casados, amáveis, amargos.
Todos malamados,
Mallarmès de quinta
melindrosos.
Mal arranjam suas peças-letras
num buraquinho corretinho
sobre o qual o corretivo
já formou espessa crosta
e eles dão gritinhos de satisfação.

São os Mozarts do verso
Os grãos-mestres da construção.
Enquanto eu, o inverso,
sou um reles fazedor de canção.
Um adepto confesso
do compor em convulsão.

I Confess

confesso que fui covarde
confesso que quando o soco surgiu
na bruma
esquivei e corri
confesso que não tenho culhão
para poetizar totalmente a minha vida.

confesso
que a minha poesia
não passa de um subterfúgio
rompantes súbitos
repentes túrgidos
reles tentativas títeres tíbios
de aplacar a neurose que decorre do fato
de ser eu tão tão tão
covarde.

quarta-feira, 3 de março de 2010

terça-feira, 2 de março de 2010

Ode implícita a Lawrence Ferlinghetti

Selvagens torres com olhos espreitam o alvorecer
sangrentas paragens de tédio anunciam o avô do mundo chegar
virgens augustas, cactos obscenos, canoas metálicas, íngremes escarpas de medo
no limite da consciência tranquila.
Sempre, sempre que você chegar, meu amor,
diga adeus a mim mesmo,
porque Felipe saiu com o ogro, sem pedir permissão aos olhos injetados que repousam na sala de estar como um monumento máximo ao tédio e inapetência pela vida.

Ela disse: Nossa, que praia linda!
Ele disse: Mas o sangue que há no mar não me agrada...
Felipe disse: Papai, mamãe, sinto muito, mas terei que suicidar-me agora.

E o pequeno Felipe estourou os próprios miolos infantes antes que fosse tarde e estivesse igualzinho aos pais, cópia cagada e cuspida.

Feroz, atroz, malévolo,
sutil, gentil, risonho...
Sublimes rios de corpos empapados em verde-musgo.

Somos catarro de algum Deus Louco.

-Então, Jimmy, quando iremos jantar naquela pocilga sórdida de meretizesifilíticasmáticasombriasatânicas?
- Não sei como você aguenta aquela louca ao seu lado. Ela sempre late às três da madrugada, acordando todos os Santos Anjos do Senhor!
- Valha-me Nossa Senhora! O que é aquilo? Vade retro Satana!

Fáááááááaaarrrrrssssshhhh..., farfalham as folhas do jardim,
e o jardim é vagina de Vênus.
Todo jardim é a púbis eriçada de alguma deusa sacana.