sábado, 30 de outubro de 2010

As FLores Miúdas de Harusame (pseudônimo com que assino meus poemas curtos)

Uma viatura singra
a janela do ônibus,
retilínea,

sangrando as minhas retinas
(curvilíneas janelas da cabeça).

Cretina!


O Coringa chama,
o Presidente atende.
BANG!



o vento varre o pó,
as árvores se curvam e aplaudem,
Primavera está passando!


o gato segue o rato.
por um tris
não perseguem a si mesmos.


flores gêmeas pingentes.
perguntas amarelas
para todas as respostas.


flores-sóis amarelas.
segredos pingentes
confessados por um fio
verde.

o suor indo pelo ralo
o sol indo pelo breu
a noite já sendo passado

a roda do ventilador
é uma revolução cubana
dedo em riste
rasgo urbano
raised fist!
um carro passou por cima do meu coração.
talvez por isso eu esteja pensando assim,
com cheiro de borracha e escapamento.
carburadores de letras,
vísceras de espuma,
coluna de pistão,
e a mente:
um prédio condenado
implodindo em slow motion
ao som do Dark Side of the Moon.


chão rachado
céu azul
primavera quente


primavera quente.
a única flor é o sol,
e já está indo.

Escritos mais recentes

BETH OVER

Beth Over era surda desde não se lembrava quando. Levava sempre os bolsos em pranto, sempre com um tanto, e um tanto samurai para o caso de um casual harakiri.
Já pensara em auto sepultar-se várias vezes, em ser puta duas vezes, mas em assistente o sepuku fica sem graça. Beth tem medo, mas disfarça. Além disso tem uns truques cabalístico-xamânicos, e uma poção que a deixa cheia de viço.

Beth Over é música de ofício, e oficia missas negras cheias de groove Black-ofídico na calada da noite.

Beth Over, rainha rocker destronada desde o berço. Deixou os tímpanos no seu primeiro terço, e agora segue a vida do avesso. Sua mãe vive condenando essa sua nova mania de tripas amostra, mas ela acha melhor assim do que ser outra ostra exoesquelética fascisto-lógica tímida e casta, antes janta do Paulouco (seu namorado) que santa do pau oco.

Beth não gosta de comer pouco, assim pelas beiradas. Sempre atacou de vez a feijoada. Seu Busdhidô é uma blitzkrieg desesperada, e sua banda tem pouco solo e mais pegada.
Beth tatuou no braço “some heads are gonna roll!” e vocifera isso em cada show you know? E Beth passa a bola para Crazy Paul que destila um solo blue tôo much slow. Beth faz dduas horas de zazen e uma cerimônia do chá antes de entrar no palco. E quando entra, recebe o coro, de assalto: Roll over, Beth Over! Roll over, Beth Over!


MANHÃ DE SÁBADO

a chaminé incensando os telhados marca o zero da minha solidão.
mariposa alimentando-se do céu no vidro da porta,
pássaros trilando solares,
iluminando os trilhos da luz antes mesmo que o sol desponte.

é preciso ser louco.
ser louco e sonhar,
sonhar e ser esperto,
mas não sonhar pouco.

há um túnel entre duas interrogações,
e o túnel é uma imensa exclamação.

as respostas não têm fim,
cada batida do coração é um infarto.

o leão devora a presa.
a mariposa, empanturrada do céu de vidro,
voa rumo ao incenso quente do pão matinal.

uma nota de Coltrane emerge de um abismo grave e trovejante.

eu ainda acho que a melhor resposta ao enigma do túnel
é a folha amarela suicidando-se numa tarde fresca,
aproveitando o tempo que se estende entre o galho e o chão
para dançar.


SUA SOMBRA

Sua sombra será vista na selva,
com detalhes em lama, merda e beijos esquecidos.
Você acabará, como tudo,
e o lobo uivará seu melhor uivo
em milhares de anos.

As árvores dessa tarde dão um lento adeus ao seu cadáver,
que segue boiando na lágrima ensangüentada dos dias.

E os dias são de carros,
e os dias são de fodas loucas na cama velha,
e os dias são de tédio, olhares vazios
de “que porra estou fazendo aqui?”

E os morcegos se fingem de cegos,
caçando mosquitos,
vigiando a lenta marcha do que sobrou do teu cadáver
soçobrante.

sábado, 23 de outubro de 2010

O BUDA E O CADÁVER

Um cadáver ilumina a minha estrada,
mantendo-a sempre aberta

E a mente,
nem morta nem alerta,
tomando quanquer reação como a certa

As rimas são acidentadas,
as montanhas são dentadas
e estar em curso é a meta

Um buda em chamas escorreu do fundo dos meus olhos,
agora tudo que tenho é um cadáver
escapando do meu punho cerrado como água

Beberão o leopardo, gota a gota,
até que brote do ventre da serpente
uma árvore de cacos de vidro
ensanguentados

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Um poema de Dom Pablo Neruda


El Pueblo

La sombra de este monte protector y propicio,
como una manta indiana fresca y rural me cubre:
bebo el azul del cielo por mis ojos sin vicio
como un ternero mama la leche de las ubres.

Al pie de la colina se extiende el pueblo y siento,
sin quererlo, el rodar de los tranways uebanos:
una iglesia se eleva para clavar el viento,
pero es muy vagabundo se le va de las manos.

Pueblo, eres triste e gris. TIenes las calles largas,
y un olor de almacén por tus calles pasea.
El agua de tus pozos la encuantro más amarga.
LAs almas de tus hombres me parecen más feas.

No saben la belleza de un surtidor que canta,
ni del que tresvaza florieciendo un concepto.
Sin detenerse, como el agua en la garganta,
desde sus corazones se va el verso perfecto.

El pueblo es gris e triste. Si estoy ausente pienso
que la ausencia parece que lo acercara de mí.
Regreso, y hasta el cielo tiene un bostenzo inmenso.
Y crece en mi alma un odio, como el de antes, intenso.

Pero ella vive aquí.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

O câncer nosso de cada dia



postes são nuvens
e uma brisa primaveril
varre um prédio comercial

postes são postes
e a brisa varre o lixo da pressa
enquanto o prédio mantém-se inexorável
digerindo o caos da economia global

o cântico das vespas rasgando a face fogo do dia
fezes gângsters flores gatos
páginas amarelecidas boiando na água cotidiana
a seda azul do céu embalando berços de nuvens

alguns homens já desistiram de trepar
outros de fazer versos

o câncer mastigando ossos
os out-doors lambendo testículos
bocetas enormes triturando cruzes

e a grama espada verde
rompendo o cimento com gentileza invencível
& um pouco de tática

segunda-feira, 18 de outubro de 2010




tentou dissecar o vento
0000000oooooooooooooooe desolou-se

pois parado o vento não é

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Transcrições fiéis de anotações repentinas no meu caderno


Sobre Kata, Zen e Cigarros
Ou
Agora percebo que escapei de uma cilada
Ou
Um dedo apontando para a lua não é a lua
Ou
Não é a colher que entorta, é você que entorta
Ou
Arremedo fragmentário de uma pequena canção de mim mesmo
Ou
No fundo há a Vontade de Potência
Ou
Um homem sem vícios é um homem fraco
Ou
Pequeno elogio do prazer
(Transcrição fiel de anotação no meu diário)




O kata é meditação em movimento, e o karate é o meu mais novo vício.

Acabei parando de fumar, e não tenho nenhum Deus para agradecer por isso, sobretudo porque não acredito num Diabo que me fazia fumar.

Não sinto remorso por ter fumado. Fumar é legal, mas o cigarro tolhia o prazer da minha prática de karate, que é uma das artes marciais que mais exigem do corpo para quem quer fruir mais plenamente dela. Um vício acabou sobrepujando outro.

Há coisas escondidas na prática do karate, sobretudo no kata, que só quem ama essa arte conhece, embora não saiba explicar, e nisso a influência do Zen é flagrante. Na verdade, o Karate e demais artes marciais japonesas não são apenas “influenciadas” pelo Zen. Elas, de certa forma, contém em si TODO o Zen. Não é à toa que os monges antigos praticavam a arte marcial no mesmo local em que praticavam meditação: o dojo.

Desde que comecei a praticar Karate e a estudar o Budismo, tiveram início uma série de mudanças no meu organismo e comportamento. Mas tais mudanças distam milhas e milhas das pseudo-mudanças dos convertidos evangélicos desesperados. Na verdade, passei a analisar a minha vida de forma muito mais lúcida, e uma das sacadas(insights?) que eu tive sobre mim mesmo foi justamente acerca das minhas investidas místico-religiosas. Uma bolha de sabão explodiu e eu percebi, num ploft!, que vinha me enfiando em religiões teístas (pan ou mono), motivado por um medo de mim mesmo, sobretudo do meu incurável ateísmo e materialismo. Mas as leituras budistas, de poesia da linhagem de Whitman, o Karate e a prática do Zazen (meditação zen), acabaram ajudando-me a re-conciliar-me de uma vez com a matéria, e sobretudo comigo mesmo. É importante pontuar que não se trata aqui de uma conversão, tampouco de um convencimento, como é no caso do cristianismo. Resumindo tudo em termos Zen: os livros, a meditação, e o Karate-do atuaram em minha vida como um dedo apontando para a lua, jamais como a lua “em si”, até porque nada existe em si e por si só, e o dedo é uma metáfora mutante, ou contingente (termo mais em voga).

É engraçado observar que meia dúzia de amigos meus converteram-se ao evangelismo (com ou sem igreja), adotando posturas monásticas (portanto hipócritas), enquanto eu, aos 26 anos registro num caderno de repentes (mon coeur mis a nu) o meu casamento definitivo com minha humanidade/animalidade. Ou seja, reconhecer os limites da existence e agir dentro deles, valendo-me de táticas e estratégias plausíveis (e nisso eu sou um tanto pragmatista).

Veja o caso do cigarro, nenhum dos motivos costumeiros me convenceriam a parar: medo da morte, inferno, punição, consciência, um infantil e jesuítico “amor à vida”, medo do sofrimento/dor, ET Cetera. Eu só parei defato, de forma natural (no sentido taoísta), quando topei acidentalmente com um novo vício, que me proporciona um bônus imenso (prazer), e absolutamente nenhum ônus, e aqui eu me refiro ao Karate, já que nem mesmo o Zen me impediria de fumar, porque além de eu não seguir um “manual definitivo de conduta Zen” (o que a Bíblia é para os cristãos), o mesmo não se assenta sobre bases ético-moralistas. Na verdade, quem está habituado à hagiografia cristã, se espantaria ao dar uma breve olhada nas biografias dos antigos mestres zen-budistas. Muitos deles eram bebedores homéricos, fumantes compulsivos, quando não comedores de ópio, haja vista Milarepa, um eminente mestre zen, e ao mesmo tempo espécie de proto-beatnik.

Outro efeito espantoso do karate sobre mim, em especial a prática do kata, é uma crescente consciência de mim enquanto CORPO, do que decorre uma progressiva descentralização da consciência, o que me afasta mais e mais do espiritualismo, idealismo, e do culto romântico e daninho ao que nos acostumamos a chamar de “mente”, ou pelo menos uma espécie de “esticamento” da mesma. Quando estou num treino de luta com contato (jiu-ipon-kumite), tenho a nítida impressão de que a minha “mente” se espalha por todos os meus membros. De certa forma, não penso só com a cabeça, mas também os meus membros possuem formas particulares de consciência. E isso é puro Zen, pois aí temos a velha questão da “sede do pensamento” (a mente está mais na cabeça ou no pé?).

Tenho tirado cada vez mais filosofia prática da luta. A luta se assemelha à vida e à arte. Em ambas é urgente o golpe certeiro, ou a esquiva eficaz (mais freqüente).

Quando eu olho para trás, vejo um homem que dos 0 aos 20 anos ignorava que tinha pés, mãos, braços, coxas..., era como se uma nuvem espessa me acompanhasse para onde quer que eu fosse. Uma nuvem que cobria tudo do pescoço para baixo, com exceção de uma clareira no pênis. É claro que quando eu era garçom usava todos os meus membros. Mas quem disse que o trabalho foi criado para nos deixar mais cônscios de nós mesmos? (e aqui eu fico um tanto marxiano).

Fiel aplicador do princípio de wu-wei que sou, não pretendo com a publicação destas notas um tanto apologéticas prescrever modos de vida (liberanos Domine!), até porque não encontrei nada que se possa chamar “modo de vida”, sendo esta um fluxo constante impossível de represar em módulos ou fôrmas. Apenas, ao modo de Whitman ou Thoreau, compartilho com quem lê este blog, anotações sobre a minha “Estrada Aberta”. Sobretudo sobre os efeitos que o princípio do prazer (ah, Fourier, porque te abandonaram?!) e autenticidade têm exercido sobre meu ser/perceber/estar-no-mundo, sobre minha existência. Mas como creio que todo discurso traz implícitas marcas de intencionalidade, admito que algo permeia as entrelinhas destas notas: uma tentativa de mostrar o quão daninha pode ser a opção pela conversão religiosa e tentativas desesperadas de fugir do que nós realmente somos, macacos pelados.

Rafael Medeiros
24/09/10
03:57h