terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Poemas de Livros Hipotéticos: Hecatônquiros. Poema 5.

5.

esmiuçando chega-se a nada,
ou talvez a um porto pobre e pequeno.

a separação trucida e assassina
os signos vivos.

há palha, trigo e joio,
mas nada é ganga
imprestável,

para quem sabe ler
tudo é imprescindível,
e o foco condena à vala comum,
o todo.

tudo vale no que é lido,
e mesmo no vale alvo do entre-linhas
pode-se mirar a mente
(desde que sem traves, travas e entraves)
uma rajada de chaves,
apocalipse revelado
sem desvelo exegético.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Poemas de Livros Hipotéticos: Hecatônquiros. Poema 4.

4.

o poeta com a caneta luta.
socos diretos são letras precisas
sempre a três centímetros da ideia original,
para não explodir a página.

arruma-se versos,
mas não se pensa poesia,
como o pó não exita em pousar-se,
mesmo que lento, trasladando ácaros.

por mais que se burile o verso,
como na luta, o melhor golpe é aquele que se deu
sem piscar de olhos.

ali pode-se ver o poeta inteiro
num átimo de vontade.
e quem lê sente algo no ventre,
um soco vazio com punho de raio.

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Cinco horas da tarde*

do porto do silêncio zazen, parte a nau de osso e sangue: eu.
banhado em luz avermelhada
(enquanto desço a rua Sergipe),
penso se Maiakowski não escreve algum poema
que de alguma forma se reflete aqui em rubro crepúsculo.

singro o asfalto (tapete cintilante estendido morro abaixo)
entre meninas pré-púveres ensaiando a cópula em danças eróticas,
entre crianças frenéticas libertando-se do presídio escolar,
entre velhas sentadas nas varandas contemplando o oco de suas vidas passadas.

estranho ritmo, esse de cinco e poucos da tarde.
tudo parece reduzir a marcha,
e o que nos filmes é uma queda abrupta,
se dilata em um éon de Shiva.
uma liturgia aflora do âmago de tudo,
todos parecem parar de viver, e encenam
(é nessa hora que escrevo os meus poemas mais arquitetados).

avenida que divide Paripe. sinal vermelho.

fumadores de crack varrem o perímetro,
vorazes em busca de uma presa:
eles precisam de grana eles precisam precisam da pedra.
bares vomitam música alta e festiva:
os seres da noite começam a chegar e já tomam as primeiras cervejas.
carros são lavados desfazendo-se do pó do dia.
as ruas de baixo pululam de viaturas:
eles estão inspirados
eles querem ser notícia
eles querem aparecer nos tabloides televisivos
segurando um peixe miúdo e apresentá-lo como o maior traficante do cosmo.

os amigos trens aguardam na estação, vomitando pessoas.
eu, a nau de osso e vísceras, sigo a rua da estação,
e o mar de lava se oferece, cintilante,
tendo já a hóstia ígnea já completamente mergulhada.

um novo porto silencioso me aguarda:
colégio Barros Barreto,
espécie de retiro zen disfarçado de escola pública
incrustado na praia de Paripe.
lá, entre árvores, pássaros, ventos cantantes e cheiro de mar,
o Shotokan me ensina na dura prática,
o vazio que pare raios,
constantemente.

*Este poema é fruto de um exercício de criação proposto pelo blog http://gambiarraliteraria.blogspot.com. Nele eu descrevo, em 300 palavras, o caminho que faço a pé, todoas as Segundas, Quartas e Sextas, após uma seção de meditação em minha casa. Há uma versão menos enxuta do poema, que publicarei em breve aqui no DDD.