quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

O ùltimo Cigarro

Neste pátio de convento
que não é meu, e hoje é faculdade,
fumo, só, o último cigarro da carteira,
e considero mais uma vez ser ele o último
da minha vida.

Mas a vida range, porta velha,
e eu sempre volto ao cigarro.

Lá fora um mar de corpos
cresce, numa cheia ininterrupta,
recebendo rios que desaguam
de ruas adjacentes.

Quando vaza, só os seres abissais,
luminescentes.

Seria muito rock'n'roll
se estourasse uma revolta
nesse mar, que é tão monótono,
e o dia naufragasse trôpego
em suas agendas,
e de todos os compromissos
só nos restasse o de vivermos melhor.

Os modernos shoguns em pânico!

É esse eol no cimento que me alucina,
não estoura nada.
Lá fora, só o marasmo e a rotina
da divisão social do trabalho
(e da arrecadação privada dos frutos).

E vai se acabando o meu último cigarro,
o meu mais santo remédio contra a náusea.

Micro-manifesto da minha pseudo-poética

Eu não faço poesia,
eu amolo pedras.

Eu não faço poesia,
eu bulo em serpentes
cobertas de feridas.

Eu não faço poesia,
não tenho tempo para pesar
ponderar e burilar
como fazem os verdadeiros poetas.

Eu não faço poesia,
eu me insurjo contra a brutalização.

Espelhos Tortos

Espelhos tortos

Do seu carro japonês,
o homem olha para o ônibus
ao lado.
... O trânsito está paralisado,
e o ônibus, abarrotado.

Para onde vai essa gente?
De que buraco sai esse povo?
Onde eles passam a noite?

"Não sei,
só sei que Iraildes
chega lá em casa às sete.
Gosto de pontualidade,
aprendi na Suiça."

Aflito, o homem do carro japonês
olha o seu relógio de ouro.
No ônibus ao lado,
Iraildes nem percebe o carro japonês
do seu patrão.

Já deveria estar em casa, dormindo,
seu Clóvis cobrava pontualidade.
Mas fazer o que?

Ela não tinha carro japonês,
e a cidade não tinha trens suiços.