Descendo a ladeira vai o morto,
sobre o dorso da fera peluda,
que ao contrário está em outro estado
muito vivo de corpo e consciência.
E esta fera forma com seu dorso
a ladeira, e suas rugas são becos,
e os becos são berços urbanos
que embalam bebês cheios de ternura,
putas e beatos, e filhos assustados de psicopatas
vendo pornografia hard-core na calada do couro preto da
noite eterna da fera.
E se papai me pega vendo esse vídeo?
Vai ser violento. Se ainda fosse de homem com mulher,
ele nem metia a colher, mas de homem com homem,
ali só se mete o cacete e se chupa o cacete e se papai vir
isso
estou fodido e não é no sentido positivo do verbete.
Nos becos da fera o fogo arde,
e a vida fere,
e as feridas da fera são bocas vorazes
de lobos ferozes que babam ácido.
E as poças que se formam fumegam,
Principalmente quando as crianças, esquecidas do perigo,
trêfegas de fome, brincam dentro delas, deixando ali as suas
carnes,
que se descolam dos seus ossos, junto com veias, nervos e
dermes.
As mães choram ao verem suas crianças-esqueleto tiritando de
frio,
e as proíbem de cruzarem os braços,
pois temem a figura formam quando fazem esse gesto.
“Mas é assim mesmo” dizem elas,
“pois a Fera é a Fera e antes dentro dela que lá fora!
Lá fora, dizem, há um morto descendo pelo lado escuro do
dorso,
assobiando uma canção de arrepiar,
rumo à orelha esquerda da cabeça peluda.
Lindo será quando se arrepiarem os pelos da fera.”