Uma noite dessas eu sonhei que estava imerso numa missa. O padre era Robert Johnson, e em um dado momento ele erguia as mãos e dizia: "o poder não está nos céus, nem tampouco encerrado no Estado. Ele está no meio de nós!"
Todos diziam amém.
Então eu olhei para o lado, e entre os participantes da missa estavam caras como Bakunin, Max Stirner, Krishnamurti, Barão de Itararé, e dezenas de bluesmen (vivos e mortos).
Eu dei uma sacada neles todos, e depois tornei a olhar para o altar, e lá estava o deus Exu, com as mesmas roupas do Robert. A lâmina da sua cabeça perpassava o chapéu.
Percebi que as paredes da igreja (que era repleta de ba-guas) , começavam a trincar, quando o pó começou a cair sobre mim, eu percebi que o teto também estava nas últimas.
Exu-Robert olhou para cima, e começou a executar uma sequência de tai-chi, com a serenidade de um Bodhisatwa. Após executar todos os movimentos belamente escadeados, o estranho padre desapareceu no ar, deixando suspensa uma fumaça vermelha, que aos poucos formou uma frase:
"Fujam, meus irmãos, pois tudo é movimento, e fugir é o que nos resta. A esquiva é mais sábia que a valentia."
Todos começaram a correr, menos um blues man cego, que sentou num escombro e começou a executar uma versão lindíssima e desesperada de I Sit And Cry (The Blues). Eu corri como louco em direção à porta, esquivando como podia dos escombros e pilastras que caíam. Quando alcancei o lado de fora, olhei para trás, e vi o Blues Man Cego ser esmagado por um pedaço enorme do teto, e depois tudo veio abaixo. Eu virei-me, intencionando trocar umas palavras com aquela rapazeada que estava na missa, mas o que vi foi o semi-breu do meu quarto.
Eu estava na cama, imerso na confusão mental proustiana que precede um sonho vívido. Tateei na penumbra, sentado na cama, catei a carteira de cigarro, o iPod, e selecionei I Sit And Cry...
Acendi um cigarro, e esperei o dia calrear. Eram quinze para as quatro. Em quarenta e cinco minutaos eu deveria estar a postos, no ponto de ônibus.
RM