quarta-feira, 30 de junho de 2010

Um Sonho Vívido


Uma noite dessas eu sonhei que estava imerso numa missa. O padre era Robert Johnson, e em um dado momento ele erguia as mãos e dizia: "o poder não está nos céus, nem tampouco encerrado no Estado. Ele está no meio de nós!"
Todos diziam amém.
Então eu olhei para o lado, e entre os participantes da missa estavam caras como Bakunin, Max Stirner, Krishnamurti, Barão de Itararé, e dezenas de bluesmen (vivos e mortos).
Eu dei uma sacada neles todos, e depois tornei a olhar para o altar, e lá estava o deus Exu, com as mesmas roupas do Robert. A lâmina da sua cabeça perpassava o chapéu.
Percebi que as paredes da igreja (que era repleta de ba-guas) , começavam a trincar, quando o pó começou a cair sobre mim, eu percebi que o teto também estava nas últimas.

Exu-Robert olhou para cima, e começou a executar uma sequência de tai-chi, com a serenidade de um Bodhisatwa. Após executar todos os movimentos belamente escadeados, o estranho padre desapareceu no ar, deixando suspensa uma fumaça vermelha, que aos poucos formou uma frase:

"Fujam, meus irmãos, pois tudo é movimento, e fugir é o que nos resta. A esquiva é mais sábia que a valentia."

Todos começaram a correr, menos um blues man cego, que sentou num escombro e começou a executar uma versão lindíssima e desesperada de I Sit And Cry (The Blues). Eu corri como louco em direção à porta, esquivando como podia dos escombros e pilastras que caíam. Quando alcancei o lado de fora, olhei para trás, e vi o Blues Man Cego ser esmagado por um pedaço enorme do teto, e depois tudo veio abaixo. Eu virei-me, intencionando trocar umas palavras com aquela rapazeada que estava na missa, mas o que vi foi o semi-breu do meu quarto.

Eu estava na cama, imerso na confusão mental proustiana que precede um sonho vívido. Tateei na penumbra, sentado na cama, catei a carteira de cigarro, o iPod, e selecionei I Sit And Cry...

Acendi um cigarro, e esperei o dia calrear. Eram quinze para as quatro. Em quarenta e cinco minutaos eu deveria estar a postos, no ponto de ônibus.

RM

quarta-feira, 23 de junho de 2010

"O escritor deve naturalmente ganhar dinheiro para poder viver e escrever, mas não deve em nenhum caso viver e escrever para ganhar dinheiro... O escritor não considera de forma alguma seus trabalhos como um meio. Eles são objetivos em si, são tão pouco um meio para si mesmo e para os outros que sacrifica, se necessário, sua própria existência à existência de seus trabalhos... A primeira condição da liberdade de imprensa consiste em não ser um ofício. Mais que nunca é oportuno agora brandir essa declaração contra aqueles que pretendem sujeitar a atividade intelectual a fins exteriores a si mesma e, desprezando todas as determinações históricas que lhe são próprias, dirigir, em função de pretensas razões de Estado, os temas da arte. A livre escolha desses temas e a não-restrição absoluta no que se refere ao campo de sua exploração constituem para o artista um bem que ele tem o direito de reivindicar como inalienável. Em matéria de criação artística, importa essencialmente que a imaginação escape a qualquer coação, não se deixe sob nenhum pretexto impor qualquer figurino. Àqueles que nos pressionarem, hoje ou amanhã, para consentir que a arte seja submetida a uma disciplina que consideramos radicalmente incompatível com seus meios, opomos uma recusa inapelável e nossa vontade deliberada de nos apegarmos à fórmula: toda licença em arte."

KARL MARX

17.




o corredor era estreito,

e só deixava passar meio homem.

mas a outra metade, a sem cérebro,

andava com rebeldia e erraticidade,

era difícil domá-la à distância.


haviam sete meios-homens na entrada ,

e doze jaziam, inertes, na outra extremidade.


o corredor era uma serpente,

e à esquerda do seu coração um demônio dormia

de olhos abertos, em pleno sammadhi.

da sua boca minava um filete de saliva,

e quem o beijasse com furor adquiria um corpo de centauro,

e ossos de fogo.


haviam sete metades inferiores de homem na entrada do corredor-serpente

e doze jaziam, inertes, no outro extremo,

mas um relinchar de centauro perpassou os átomos,

e todas as metades de homem bateram em debandada,

com asas de cisne.


RAMMED BLACKWOLF

sábado, 19 de junho de 2010

Pseudo-xamã-urbanóide-suburbano



Meu amigo diz que agora é xamã,
Ele se ligou no Castañeda
E diz que agora quer encontrar o Santo Graal.
Meu amigo leva fé numa pseudo-História
Que bota tudo em ordem na linha do tempo,
Que bota tudo numa linha bem fácil de entender,
Um rio sereno e luminoso que desemboca num futuro feliz.
Eu não sei como meu amigo pretende arrumar tempo para matar lagartos
e costurar-lhes a boca enquanto fuma um cachimbo de alguma erva super-forte,
Eu nem sei se o meu amigo aspirante a Sanat Kumara tem mesmo estômago para realizar operações mágicas que envolvem sangue e tripas.
Na verdade eu acho mesmo que à primeira visão estranha com o canto do olho meu amigo vai dar no pé e rezar o terço assustado no canto do quarto.
Mas o que eu não entendo mesmo,
É como meu amigo pretende arrumar tempo para fazer todas as coisas que um xamã precisa fazer.

Minha cosmovisão sintetizada

"A vida é uma puta sã que finge ter sífilis a alguns desafortunados por puro sadismo."

RAMMED

sexta-feira, 4 de junho de 2010

O Veneno*

Ricardo sorvia todo dia
Uma dose do Veneno,
Que o matava lentamente,
E em um ano o exterminaria.
Por que tomava? Não sabia,
Sua dama também não,
Mas tomava, também ela,
E seu Flavinho, ano que vem,
começaria.

***

"A Virtude", como chamavam a bebida,
Pertencia ao Supremo De Cada Um,
E o deles era Carlos:
Homem forte, rosado, robusto,
e sobretudo risonho.

***

Um dia, meio do ano,
Organizados, embandeirados em bandos,
Um grupo seduziu
Ricardo e família.
O plano engenhoso o empolgou
E fez arder seu coração:
Matar todos os Supremos de Cada Um,
E roubar o "Remédio",
Que guardavam no armário da cozinha.

***

Não me delongo no processo,
Pois já fisga-me o sono
E escasseia-me o vinho.
Mas o fato é que fizeram,
Cumpriram o programa:
Deram cabo dos chefes,
E roubaram os venenos.

***

Mas ao fim e ao cabo,
Algo aconteceu de interessante:
Todos empossados do Veneno
Decidiram continuar tomando-o.
Todos, menos Ricardo,
e família,
Que a contragosto dos Líderes do levante,
Estourou a garrafa malsã
Na cabeça do adormecido Supremo,
E ateou fogo na sua casa,
Com ele, veneno, e tudo.

*Não, eu não estou atravessando uma crise criativa ou coisa do tipo. Mesmo porque não me vejo como um escritor profissional ou coisa do tipo. Resolvi re-publicar este conto por dois motivos:
1. Para que os que não o leram, leiam.
2. Para expliciatar um pouco da minha visão política, visto que estamos na iminência de eleições.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

14

Coubert.

Não, amigo, não há nada
Além de terra e céu e gases.
O fogo queima e a água encharca,
A merda fede e o soco parte o osso.
Se queres graça,
É aí que deves procurar,
Entre os dois portos incógnitos
Que tanto assombraram Pascal
E o fizeram cagar nas calças
E rezar o terço de olhos esbugalhados.
Não há alma,
Não há Deus,
E a mente é tão material quanto o dente careado.
A salvação está em ilhas esparsas flutuantes,
E o espaço entre elas é tédio, cansaço e desespero.
Mas agarra-te ao pouco que tens,
E goza o pouco que és.
Pois como bem disse o Poeta,
Querer mais é perder até mesmo isso.
O resto é metafísica.

terça-feira, 1 de junho de 2010

13

Chove na minha cabeça
(não na alma),
e eu queria partir o céu em dois
e comê-lo com manteiga
tomando goles sucessivos de vodka.

Esqueci o bom-humor na cama.
Tenho medo de que essa bad-trip dure para sempre,
mas é melhor ser honesto
que ser tristemente alegre.

Cobram-me a testosterona, macheza, valentia.
Cobram-me sobretudo que eu seja o libertino que não sou,
E embora não seja religioso ou moralista,
Vou devagar com os anseios de provar aos amigos
o quanto sigo os passos do velho Buk.

O que o Buk acharia desses imitadores baratos?

Esqueci o bom moço na cama,
e se não cuspo no primeiro crente hipócrita
que cruza o meu caminho,
é por amor à minha própria integridade física.

Eu queria partir o céu em dois
e comê-lo com manteiga,
mas um poema com pouco prumo
à prova de pontos
com pontas soltas alquebradas
é tudo que tenho para analisar o meu ser,
para canalisar meu poder.

Repente

"De onde você menos espera, é daí que não sai nada." (Barão de Itararé)

É engraçado como as pessoas lançam suas agulhadas sub-reptícias, crentes de que não serão detectadas pelo interlocutor.

Cuidado com os vampiros, eles estão loucos para saltar em seu pescoço num frêmito febril-convulsivo ao menor sinal de potência da tua parte!

Rafael Medeiros, deficitário de testosterona.

Algo sobre Cassandra

A mitologia grega conta como Cassandra e o seu irmão gêmeo, Heleno, ainda crianças, foram ao Templo de Apolo brincar. Os gêmeos brincaram até ficar demasiado tarde para voltarem para casa, e assim, foi-lhes arranjada uma cama no interior do templo. Na manhã seguinte, a ama encontrou as crianças ainda a dormir, enquanto duas serpentes passavam a língua pelas suas orelhas. A ama ficou aterrorizada mas as crianças estavam ilesas. Como resultado do incidente os ouvidos dos gêmeos tornaram-se tão sensíveis que lhes permitiam escutar as vozes dos deuses.

Cassandra tornou-se uma jovem de magnífica beleza, devota servidora de Apolo. Foi de tal maneira dedicada que o próprio deus se apaixonou por ela e ensinou-lhe os segredos da profecia. Cassandra tornou-se uma profetisa, mas quando se negou a dormir com Apolo, ele, por vingança, lançou-lhe a maldição de que ninguém jamais viesse a acreditar nas suas profecias ou previsões.

Cassandra passa a ser considerada como louca ao tentar comunicar à população troiana as suas inúmeras previsões de catástrofe e desgraça.

A falta de credibilidade das previsões e profecias de Cassandra levou à queda e consequente destruição de Tróia, quando esta viu frustradas as suas sucessivas tentativas de implorar a Príamo que ele destruísse o cavalo de madeira (Cavalo de Tróia) engendrado por Ulisses para a conquista de Tróia pelo seu interior.

Com a cidade já tomada pelos gregos, Cassandra refugia-se no templo de Atena, onde é descoberta e violada pelo brutal Ájax, filho de Oileu (a deusa haveria de vingar-se do guerreiro, posteriormente). Na partilha do butim de guerra, ela é dada a Agamenon, que a leva em seu navio, na viagem de volta à Micenas, onde ambos seriam assassinados por Egisto, amante da rainha Clitemnestra, esposa de Agamenon.

Fonte: Wikipédia