terça-feira, 6 de março de 2012

Leituras: Duas Narrativas Fantásticas. F. Dostoievski.






Duas Narrativas Fantásticas: A dócil e O Sonho de um Homem Ridículo.
Fiódor Dostoievski.
Tradução, prefácio e notas de Vadim Niktin.
Editora 34 (Coleção LESTE).

A Dócil




“Pois já faz seis horas que eu quero
ver claro e não encontro meio de
juntar as ideias num ponto.”




Ele foi acusado de covarde no regimento onde ostentava uma “farda brilhante”. Diante da sua mulher morta, ele tenta organizar a mente em frangalhos. Após a degradação total, ele recebe uma herança, e estabelece-se num negócio (usurário). Então passa a nortear a sua vida baseado num racionalismo pragmático, tornando-se um cultor do isolamento e dos relacionamentos frios. Ele é leitor sensível, cita de Goethe a Púchkin, o que é só um entre os inúmeros temperos que realçam a sua contradição. Ele tenta dar mais sentido à vida contratando uma “mocinha” para ocupar o espaço de esposa na sua casa, visando assim aplainar a existência, escamoteando-lhe as contradições que lhe são próprias mas que para ele são infernizantes. Então os sentimentos, não suportando serem varridos para debaixo do samovar, emergem num turbilhão, e terminam por subtrair-lhe o chão subitamente quando a sua mulher, após meses de um mutismo sufocante entre os dois, atira-se da janela, abraçada a um ícone da Virgem.
Publicada pela primeira vez em novembro de 1876, no Diário de um escritor, revista totalmente capitaneada por Dostoiévski, e baseada num caso verídico descoberto pelo russo leitor compulsivo de jornais, A Dócil prova que, em literatura, tamanho não é documento. Dostoiévski cm pôs em poucas páginas uma obra magnífica, em que o homano se revela vibrante de contraditoriedade, e o tema da eternidade é perscrutado diante de um flagrante quotidiano.