sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Deuses Negros



Thelonious monkeando tudo
telúrico ricocheteando projéteis
rimas ricas porém tortas
chicoteando colchões harmônicos
colcheias semi-colcheias
e o pulso surdo do baixo
e o retumbaixo do bumbo.

Ah! Essa autonomia do jazz
esse belo descentralismo
tem tanto a nos ensinar
e nós tão pouco ouvidos para tudo isso
para a gangue do Monk
O Charles Rouse tecendo Ilíadas por segundo no sax tenor,
queimando mil Tróias a cada sopro ígneo.
O Monk levantando vez em quando dando um saque em tudo
(no funcionamento da coisa)

Ah! Poderíamos aprender tanto
desse fazer a coisa e divertir-se com ela.

E o contrabaixo ponteia tdo
como um tecido azteca,
E o Monk gera Cosmos e Cosmos com os negros dedos
enquanto uma gota de suor pinge da sua barbicha pontiaguda
como um mundo agonizante que teme desprender-se
mas sabe que cedo ou tarde vai acontecer,
Cedo ou tarde a gotícula vai desabar na orgia de notas.

E o que somos nós, além de gotículas de suor na barbicha do Monk?

De repente a maré orgíaca cessa um pouco,
e a água aos poucos revela um deus negro
sentado no seu trono percursivo
encharcado, com musgos e siris pendentes.
Ele ataca as caixas com a serenidade de um Buddha
e a letalidade de um arqueiro zen,
ou um Oxóssi Apolo negro.

Tenho medo que num estampido do Deus Riley,
esteja guardado o meu Satori, como uma mina,
e a minha mulher chegue da rua
e me encontre paranirvânico, na cama.

A maré volta, aos poucos,
e aos poucos o Deus vai submergindo,
para voltar à sua atuação subaquática quântica intratômica,
e eu, em estado catártico, cataléptico,
como o primeiro grego que assistiu à primeira tragédia.

Penso seriamente em dar um tempo no jazz,
mas desconfio da aplicabilidade disso
na realidade empírica.

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