quarta-feira, 27 de abril de 2011

Sussurros de Kassandra: O Prédio em Chamas

O prédio ardia em chamas. As pessoas olhavam, assustadas, ninguém sabia ao certo o que tinha acontecido. Não houve choque, explosão, nada. Há um minuto o prédio estava intacto, e há dois minutos o prédio estava em chamas.
João Carlos há muito deixara o seu cachorro quente cair no chão, embora a sua mão ainda segurasse o vazio. Seria possível?! No seu primeiro dia trabalhando num escritório do Edifício Roriz..."Foda-se o emprego, merda, eu escapei, estou vivo, mas e as pessoas?"
Pessoas histéricas saíam correndo de dentro do prédio como formigas de um formigueiro em chamas (tochas acesas gritantes). Era a visão do inferno catequético bem ali, plantado na esquina da Rua B com a Rua D.
Sirenes apocalípticas anunciavam a chegada dos bombeiros e da polícia. Os bombeiros cobriam as pessoas em chamas com mantas, enquanto a multidão se avolumava em torno do caos. OS gritos não cessavam, e uma saraivada de gente despencava das vidraças do prédio, vindo espatifar-se no asfalto. Uma dessas saraivas humanas veio cair aos pés de João Carlos, sobre o cachorro quente. Ele recuou, em pânico. O corpo crepitava e sua pele borbulhava e enrugava-se. O cheiro de carne tostada era repugnante. Mas o rosto...o rosto estava incrivelmente intacto, embora puído.

João Calos desmaiou. Não porque um prédio inteiro tinha entrado em combustão instantânea em questão de segundos, mas por causa daquele rosto no chão, o rosto puído e contorcido que lhe fitou lacrimejante, e cujo espanto estampado antes do último suspiro espelhou-se no homem em pé, antes de desmaiar.. Espelhou-se não somente por semelhança de expressão, mas porque eram cornucópias um do outro.

O soldado Ulysses Costa Mendes teria uma boa história para contar, e uma grande pulga atrás da orelha, caso o corpo colado ao do rapaz desmaiado não estivesse já completamente em chamas, devido a um outro corpo que viera tombar próximo a ele. Para o bem da sua própria sanidade, o soldado Costa Mendes só encontrou um João Carlos Almeida Júnior.
Quanto a este último, teria a sanidade resguardada por médicos gabaritados que o convenceriam de que "a sua visão de si mesmo ardendo não passou de um delírio, uma projeção decorrente da proximidade da morte."

Quanto a um prédio de dez andares que entra em combustão instantânea, os mecanismos geradores de discursos seriam hábeis em convencer a população de qualquer coisa. Afinal, eles vinham há anos convencendo essa mesma população de que, por direito divino, um punhado de gente poderia escravizá-la, condenando-a à mais extrema insalubridade. Não, não seria um caso desses que os deixaria seriamente preocupados. Nada de que um informe extraordinário do plantão jornalístico não desse conta. As vinhetas todos já conhecem. E poucos são os que, ao toque dessas trombetas alarmantes, não correm loucos para a frente da TV mais próxima. Ávidos de morte.

http://sussurrosdekassandra.blogspot.com

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